Você já deve ter cruzado com um deles. Talvez você seja um deles.
Um estagiário brilhante. Um analista prodígio. Um jovem que parece ter sido treinado por uma inteligência artificial com PHD em tudo: raciocínio rápido, fala afiada e domínio técnico impressionante. E, ainda assim, instável emocionalmente, aparentemente insubordinado e cheio de dúvidas sobre como se dar bem no trabalho. Um indivíduo com jeito de gênio, mas indomável.
Jovens potenciais estão aí, espalhados pelas maiores empresas do país. Escondidos atrás de planilhas impecáveis e discursos bem ensaiados, enquanto evitam a parte mais difícil do jogo: amadurecer, acelerar sua carreira e crescer de verdade.
Por outro lado, quase num multiverso, recebo semanalmente pedidos para desenvolver “um plano sucessório que realmente funcione e aproveite nossos talentos internos”. Sério? Teremos essa conversa como adultos, retruco frequentemente (uma das vantagens de envelhecer).
Lembrei desses jovens potenciais e do dilema da sucessão revendo o filme Gênio Indomável, a película que alavancou as carreiras de Matt Damon. Nele, Will é um jovem brilhante que resolve equações de nível Nobel no quadro-negro do MIT — e à noite arruma confusão nos bares de Boston.
A vida dele muda quando encontra Sean (Robin Williams), um terapeuta que não se impressiona com sua inteligência e tampouco se intimida com suas defesas emocionais. É Sean quem diz a frase que, para mim, resume o que falta em muitos talentos corporativos:
“Você pode me falar tudo sobre Michelangelo. Mas você nunca esteve na Capela Sistina. Nunca olhou pra aquele teto. Nunca sentiu aquele cheiro.”
Eu estava começando minha carreira e essa cena me impactou. Porque descreve um problema recorrente nos jovens de alto potencial: sabem muito, viveram pouco.
Minicapítulo 1: Sabem muito, viveram pouco
No mundo corporativo, é comum encontrar jovens que citam livros de liderança, falam fluentemente o jargão da estratégia, dominam frameworks e entregam dashboards elegantes. Mas nunca lideraram uma crise real. Nunca demitiram alguém. Nunca erraram feio. Nunca foram chamados na sala do presidente para ouvir um “não gostei, esperava mais de você”.
Essa falta de vivência cria uma geração que descreve bem o mundo, mas não o transforma, apesar de muita exposição, posicionamentos em redes sociais e certezas.
Sabem o que é empatia, mas tratam mal o par, seu gestor ou demonizam as empresas. Falam de “segurança psicológica”, mas desaparecem quando o time precisa. Admiram “ser eu mesmo”, mas fogem da primeira conversa difícil.
Aparentemente, é o potencial sem tato, excesso de positividade alavancada pela pressão de ser feliz o tempo todo, instabilidade emocional, preocupação genuína ao tentar acelerar sua carreira ou tudo isto junto.
Minicapítulo 2: Gênio sem mentor vira problema
Will só começa a mudar quando encontra alguém que o confronta com afeto. Sean não tenta domá-lo. Tenta compreendê-lo, o acolhe, o escuta e não tenta “catequizá-lo”. Escolhe provocá-lo e apoiá-lo para que encontre seu caminho. Mentoria não é moldar o outro, mas servir como suporte para que o outro crie seus movimentos e brilhe.
Quantos “Seans” temos nas empresas hoje? Líderes que não estão preocupados em impressionar, mas em provocar crescimento?
Mentoria de verdade não é passar lição de casa, nem “coaching de carreira”. É colocar um espelho diante do jovem e dizer com firmeza: “Você está fugindo de si mesmo. E está desperdiçando seu talento.”
Mas há um problema: muitos “Wills” corporativos fogem desse espelho. Têm alergia a feedback. Se ofendem com facilidade. Confundem correção com violência. Preferem ser subutilizados a serem desafiados. E assim, aos poucos, enterram seu potencial sob a areia da vaidade.
Atualmente, com a explosão da onda de IAs, tenho escutado alguns jovens que desprezam as experiências e histórias dos mais velhos. Acredito que o poder mudou de mão com a internet, mas ainda acredito que viveremos um modelo híbrido.
A capacidade de lidar com as IAs, a valorização das habilidades humanas e a flexibilidade organizacional serão cruciais para o desenvolvimento desses potenciais talentos e para o sucesso dos planejamentos sucessórios.
Minicapítulo 3: Saber escolher também é crescer
No final do filme, Will recebe uma proposta irrecusável. Uma oportunidade de uma carreira brilhante, dinheiro, prestígio e segurança. Porém, escolhe pegar o carro e ir atrás da garota que ama. Escolhe o incerto, algo que parece irresponsável e desconfortável. Uma mistura de coragem e imprudência.
A metáfora é óbvia, mas poderosa: não basta ter talento. Você precisa escolher o que vai fazer com ele.
E nas empresas, essa escolha aparece o tempo todo:
- Vai assumir a liderança do projeto ou continuar no cantinho seguro?
- Vai falar o que precisa ser dito ou vai se esconder atrás do PowerPoint?
- Vai agir como protagonista ou continuar culpando “o sistema” por tudo?
Tem muito Will inteligente por aí, desperdiçando a chance de construir uma trajetória extraordinária. Esperando que a empresa descubra seu brilho quando, na verdade, falta ele próprio se encarar no espelho.
Minicapítulo final: Potência não é resultado. É ponto de partida.
Durante a escrita do meu livro fui provocado sobre coisas que sempre me causaram indignação . Confesso que, lembrando dos pontos de inflexão em minha jornada, foi fácil. Fico angustiado quando encontro alguém que não conhece e nem usa o próprio potencial para fazer o que quer e, ao mesmo tempo, o que precisa ser feito.
Por favor, não fuja de si mesmo. Coloque-se em lugares que mudam sua perspectiva, que incomodam suas crenças, que forcem seus aprendizados e que aflorem seu potencial. Investigue e construa sua identidade por meio de hábitos que irão se tornar virtudes imbatíveis para que viva melhor. Conecte-se com pessoas de outras tribos, de outras culturas e lugares do mundo.
Só assim você vai amadurecer. Lembre-se que inteligência e poder sem maturidade é só uma armadilha. Acredite que o mundo não precisa de mais gente “espertona”, mas de pessoas que pensem, sintam e façam algo relevante para elas mesmas e para o mundo.
P.S.: caros executivos, se trabalharmos melhor com os nossos jovens potenciais podemos resolver de uma vez por todas as dores de sucessão em todo o pipeline de liderança. Fica a dica!

Alcir Miguel
Sócio e executivo de negócios na Movidaria.






