Na última semana, durante um dos encontros de mentoria coletiva do Programa Conversas Corajosas, uma das executivas compartilhou seu desconforto para demitir uma pessoa da própria equipe e fechou a lamúria dizendo: “amanhã mesmo já vou avisá-la para passar no RH”.
Resolvi dar uma pausa no que estávamos fazendo para debater com todos os presentes esse tema tão sensível e fundamental, parte de qualquer modelo de gente (ou ciclo de gente): atração, seleção, integração, desenvolvimento, reconhecimento (financeiro e não-financeiro), avaliação, sucessão, manutenção e demissão.
Vivemos tempos em que as empresas falam sobre cultura humanizada, mas quando o assunto é demitir, muitos gestores, leia-se C-Level e média gestão, ainda se escondem atrás do RH como se fossem meros espectadores de suas próprias arquiteturas.
Vamos ser claros: demitir é responsabilidade do gestor. Delegar essa tarefa à área de Recursos Humanos é covardia travestida de protocolo.
Se você é um executivo(a) de uma empresa de grande porte, seu papel é liderar pessoas, inclusive na hora difícil do desligamento. É justamente nesses momentos que se revelam os verdadeiros líderes.
Não se trata apenas de comunicar uma decisão, mas de fazer isso com respeito, empatia e responsabilidade. Afinal, o impacto de uma demissão vai muito além da pessoa desligada (aliás, detesto esse adjetivo): reverbera no moral da equipe, na cultura da empresa e na sua própria credibilidade como líder.
O erro clássico: “Passe no RH”
Não existe atitude mais desumana do que empurrar um colaborador para “passar no RH” sem a coragem de olhar nos olhos e explicar os motivos da decisão. A demissão é um ato de gestão, não de burocracia ou decisão pessoal.
É sua obrigação conduzir pessoalmente essa conversa, respeitando a dignidade de quem contribuiu para o desenvolvimento do negócio.
Nos últimos cinco anos, o Brasil enfrentou um cenário complexo em relação às demissões, especialmente nas grandes empresas. Abaixo, compartilho alguns dados relevantes para contextualizar o tema:
· Entre 2022 e 2024, 19,7% das empresas brasileiras realizaram demissões em massa;
· Empresas que lutam por uma Cultura de alto desempenho, planejam a demissão intencional de até 12% dos seus times nas áreas de negócios após uma avaliação de desempenho;
· Em 2024, o Brasil registrou quase 8,5 milhões de pedidos de demissão voluntária, ou seja, um cenário relativamente novo para os gestores.
Os quatro tipos mais comuns que vivenciamos:
- Demissão amigável: Analise friamente se a pessoa poderia se recolocar em outra área antes de optar pela saída. Caso a decisão seja irreversível, explique com clareza as razões, assuma a responsabilidade pela escolha e permita que a saída seja feita com respeito e organização. Esse tipo de demissão, normalmente, acontece por questões de comportamentos inadequados e/ou performance abaixo do esperado por um longo período.
- Demissão não amistosa: Em casos que envolvem quebra de conduta ética ou riscos operacionais, é preciso agir rapidamente. A comunicação deve ser direta, o colaborador deve deixar o local de trabalho com discrição e apoio para recolher seus pertences pessoais. Não recomendo que o gestor faça isso sozinho, mas é sua responsabilidade.
- Demissão em momentos de crise: Vivemos um cenário macroeconômico delicado no Brasil e no mundo. Nesses momentos é comum buscarmos as reduções de custos em todos os lugares da empresa. Evite cortes lineares que penalizam todos igualmente. Tome decisões racionais, proteja talentos-chave e, acima de tudo, seja transparente sobre o que está acontecendo. A insegurança prolongada é um veneno para o engajamento e desenvolvimento da equipe;
- Demissão voluntária: esse tipo é um sinal claro de que algo precisa ser ajustado na proposta de valor que oferecemos aos nossos talentos. Mais do que lamentar a saída, precisamos transformar o offboarding em inteligência: escutar com atenção, identificar padrões e agir rapidamente. A saída de um colaborador não deve ser um evento isolado, mas um termômetro da cultura. Para reverter o ciclo, precisamos investir em rituais consistentes de escuta ativa, oferecer caminhos reais de crescimento, alinhar propósito com prática e fortalecer a conexão entre liderança e times. A retenção hoje não é comprada com bônus, mas conquistada com coerência, atenção e coragem.
O impacto vai além da porta de saída
A maneira como você conduz uma demissão define como os que ficam vão olhar para você e para a empresa. Uma saída mal gerida semeia medo, cinismo e descomprometimento. Já uma demissão feita com respeito reforça a ideia de que, mesmo nos momentos mais duros, há valores que não são negociáveis.
Ser um(a) gestor(a) de valor é escolher diariamente a responsabilidade sobre a comodidade. Se você não está preparado para dar feedbacks difíceis, fazer escolhas duras ou conduzir conversas desconfortáveis, talvez você tenha que repensar seu papel de líder na cadeira que ocupa.
Humanizar não é evitar a dor, mas saber atravessá-la com integridade. O jeito como você demite é parte indissociável do jeito como você lidera.
Não se esconda atrás do RH.

Alcir Miguel
Sócio e executivo de negócios na Movidaria.






