“Você é feliz com a vida que tem?”
Essa é a pergunta que abre o livro Matéria Escura, de Blake Crouch, e também a fenda pela qual Jason Dessen, o protagonista, cai rumo ao colapso de sua realidade.
Uma realidade onde tudo parecia estar no lugar: carreira respeitável, família amorosa, uma vida estável e as finanças pessoais controladas. Até o momento em que ele é confrontado com a possibilidade de ter sido outro. De ter feito outras escolhas. De ter vivido outras vidas.
Essa pergunta ecoa com força especial no universo de quem ocupa o topo da hierarquia corporativa. No C-Level, com tantos marcos de sucesso acumulados, quantos de nós têm coragem de olhar no espelho e se perguntar se a vida que construíram ainda faz sentido? Ou se, por acaso, essa identidade foi construída por inércia, alimentada por expectativas de outros, sejam do mercado, da família ou da sociedade?
Assim como Jason descobre que sua identidade é apenas uma entre infinitas versões possíveis de si mesmo, nós também podemos visitar com mais frequência essa possibilidade. Não para negar quem somos, mas para nos lembrar de que identidade não é prisão. É escolha contínua, não única.
Há uma ilusão perigosa que se instala com o tempo: a de que identidade é algo fixo. Um contrato vitalício. “Sou o executivo racional”, “sou o líder que entrega”, “sou o pilar da organização”, “sou o mais velho, sempre fui responsável…”, “meu pai sempre me cobrou isso…”.
Mas essas frases que repetimos com segurança são também grilhões que limitam o que podemos nos permitir ser. E o pior… não percebemos que as chaves estão em nosso bolso (e não temos coragem de usá-las!).
Em Matéria Escura, a ideia de multiverso é usada como metáfora: a cada decisão não tomada, nasce uma outra versão de nós, que segue por outro caminho. Jason descobre uma realidade onde ele não abriu mão da carreira acadêmica para formar uma família. Em outra, tornou-se um cientista renomado.
Em outra, um homem solitário. Todas essas versões coexistem e nos mostram que o que chamamos de “eu” é, na verdade, apenas uma das muitas rotas possíveis.
E se fizermos o mesmo exercício?
- Quantas versões de você ficaram para trás?
- Quantas decisões enterradas sob a urgência das metas, sob a responsabilidade de liderar, sob o medo de abandonar o conforto do previsível?
- Quais virtudes lhe trouxeram até aqui, mas se tornaram âncoras que o impedem de partir?
- Quais crenças não lhe servem mais?
- Quais valores você usa como desculpa verdadeira para não fazer o que sonha?
- Como posso iniciar novos movimentos e construir uma nova identidade?
- Quais conexões preciso para servir como rede de apoio aos meus novos movimentos?
Interrogue sua trajetória! Desligue o piloto automático! Busque novos lugares e símbolos! Conviva com outras tribos e permita-se ser iniciante!
Essa reflexão não serve para gerar arrependimento. Pelo contrário. Serve para recuperar potência. Porque o maior engano que nos vendem é que identidade é destino. Quando, na verdade, identidade é construção. E como toda construção, pode ser revista, ampliada ou até demolida — desde que seja por escolha consciente.
Não é raro encontrar executivos que, ao se aposentarem ou mudarem de carreira, descobrem paixões esquecidas, talentos adormecidos, vidas que poderiam ter sido vividas. Mas por que esperar o fim de um ciclo imposto para iniciar outro? E se você pudesse redesenhar agora, no auge da sua experiência, um novo caminho?
Nada impede um CEO de se tornar mentor. Nada impede um executivo de multinacional de virar empreendedor social. Nada impede um líder de processos de se tornar terapeuta, artista, consultor de impacto, cozinheiro ou escritor.
O que impede, na maioria das vezes, é a identidade que juramos manter intacta e sem movimentos. Mas ela não é imutável. Ela é sua. E pode mudar, se você permitir.
No final de Matéria Escura, Jason compreende que não existe versão ideal de si mesmo. Existe apenas aquela que ele escolhe viver com consciência, com intenção e coragem.
E você? Se pudesse escolher agora, diante de tudo o que já viveu, com tudo o que aprendeu, com tudo que deixou de lado, quem você gostaria de se tornar? Qual seria sua próxima melhor versão de si mesmo?

Alcir Miguel
Sócio e executivo de negócios na Movidaria.






