Nos últimos anos, saúde mental virou pauta estratégica nas empresas. E com razão! A exaustão silenciosa de líderes, os surtos de ansiedade disfarçados de “quebra de confiança” e a dificuldade crescente de lidar com frustrações tornaram o tema inevitável nas reuniões no C-Level.
Um estudo, realizado entre janeiro e dezembro de 2024 com 9.691 colaboradores de empresas de grande porte nos setores de tecnologia, varejo e bens de consumo, revelou que 43,67% dos trabalhadores apresentaram algum risco de saúde mental. Destes, um terço enfrentava situações de intensidade moderada ou alta.
A OMS constatou que a cada US$ 1 investido em tratamento para transtornos mentais, há um retorno de US$ 4 em melhoria na produtividade. Além disso, doenças mentais geram um impacto econômico global de cerca de US$ 1 trilhão em perda de produtividade.
Seja por um viés de cuidado genuíno ou interesse econômico, o assunto deixou de ser um debate teórico para se tornar um fato. Porém, em meio a tanto bem-intencionado esforço, algo importante se perdeu: a clareza sobre de quem é a responsabilidade pela saúde mental.
Spoiler: não é da empresa. E também não é só da liderança. A saúde mental é responsabilidade de cada pessoa adulta. O que a empresa pode — e deve — fazer é não atrapalhar e investir em líderes que entendam de verdade o seu papel nesse contexto.
O problema começa quando essa distinção se embaralha. E aí entra o conceito de sentimentalismo tóxico, descrito por Theodore Dalrymple em Podres de Mimados (livro que recomendo a todos os Executivos): uma forma distorcida de compaixão, que serve mais ao conforto emocional de quem oferece do que ao real benefício de quem recebe.
No ambiente corporativo, isso se traduz em líderes e empresas que, na tentativa de “cuidar das pessoas”, evitam cobrar, passam pano para maus comportamentos, transformam sofrimento em desculpa para tudo — e chamam isso de empatia (aliás, outro livro que indico é o Radical Candor da autora Kim Scott – você vai descobrir que sabe pouco sobre empatia assertiva).
A empresa oferece ioga, meditação e psicólogo. Mas ninguém tem coragem de dar um feedback sincero sobre comportamentos ou desempenho de alguém que está desmotivando o time. O RH lança campanhas de bem-estar.
Mas alguns processos são tão confusos e o ciclo de gente tão incoerente que transformam qualquer tarefa simples em um campo minado emocional. A liderança diz “estamos aqui por você”, mas não tem maturidade para sustentar conversas difíceis, nem para dizer “isso é sua responsabilidade”.
Isso não é cuidado. É anestesia emocional. E pior: é uma forma disfarçada de infantilização.
Ao embarcar nesse sentimentalismo corporativo, a empresa passa a tratar adultos como se fossem crianças frágeis. E isso não fortalece ninguém. Pelo contrário: fragiliza, acomoda, enfraquece.
Cria uma cultura onde qualquer desconforto vira trauma, qualquer cobrança vira opressão, qualquer desafio vira motivo de afastamento.
É claro que o ambiente influencia. Um gestor tóxico, metas abusivas ou falta de propósito corroem qualquer equilíbrio mental. Mas saúde mental não se resume a “sentir-se bem”. É também saber lidar com pressão, frustração e conflito. E isso se aprende com maturidade, não com mimo.
Líderes que caem na armadilha do sentimentalismo tóxico tentam evitar o desconforto a todo custo. E ao fazer isso, eliminam justamente o que promove crescimento: o atrito saudável, o confronto produtivo, o limite claro.
Cuidar da saúde mental nas empresas não é criar zonas de conforto. É preparar pessoas para o desconforto inevitável — com suporte, sim, mas sem ilusão.
Quer promover bem-estar real? Então, comece com intencionalidade:
- Deixe claro o que é esperado.
- Dê feedbacks frequentes e honestos.
- Estimule o confronto de ideias.
- Diferencie as pessoas por comportamentos e desempenho.
- Ensine que o silêncio faz parte do diálogo e abre espaço para pensar.
- Crie um ambiente seguro pela prática da coragem,mas não estéril.
- Promova responsabilidade emocional — inclusive da liderança.
Empresas não curam ninguém. Mas podem ajudar as pessoas a se tornarem fortes o suficiente para cuidar de si mesmas.
E isso, sim, é o maior gesto de cuidado que um líder pode oferecer.

Alcir Miguel
Sócio e executivo de negócios na Movidaria.






